quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

ORIENTALISMO – 3) ACONTECE MESMO A EXTINÇÃO DEFINITIVA DAS COISAS E SERES?

Em meu livro ainda inédito, (lamentavelmente ou), Ladrão e Salteador da Mente Humana, escrevi a respeito do não-começo, da não-origem das coisas e seres. Agora iremos ver quão mentiroso também é o fim, a extinção temporal, definitiva e absoluta das coisas e seres.

Quem em termos filosóficos-científicos sempre acreditou estar vivendo num mundo concreto, “absolutamente Real”, onde tudo parece ter tido um começo, onde tudo parece estar tendo um meio termo em evolução e aperfeiçoamento, além de um fim, onde o tempo parece prolongar-se para infinitos amanhãs, e o onde capcioso espaço se estenderia para um limite infinito, esse se engana. Sim porque em tal constatação, nosso pródigo lucubrador nunca se apercebeu de estar sendo enganado por seu próprio discurso (pensamento mágico, pensamento lógico), e por um falso conhecer, falso perceber, “ficar cônscio de” que é só e sempre reconhecer.

Para qualquer ego-pensante, tão precário e tão desconhecedor da Verdadeira Sabedoria, a pretensa extinção definitiva das coisas e seres implantou-se como um fato inevitável e insuplantável.
O mundo cotidiano reconstruído, a falsa natureza superposta, tão bem “fundamentada” pela ciência acadêmica, mais o falso tempo-espaço, visto que se nos apresentam de modo objetivado e persistente, lá pelas tantas, poderão desaparecer de diante de nós, forçosamente, para nunca mais voltar, como costuma dizer a tradição, e inclusive manda. Em face dessas circunstâncias quase irrefutáveis, o raciocínio enganador, começa então a falar em extinção e anulação absoluta das coisas e seres.

Ai, amigo, como todos nós nos comprazemos em mal pensar e em mal concluir! Sim, porque o falso mundo futuro e que o próprio pensamento extrojeta também é sinônimo de morte, de aniquilação ou fim de tudo.
Entretanto, paradoxos dos paradoxos, a maior parte de nossos atos intencionais geralmente são desencadeados, visando nos preservar desse inevitável futuro e desenlace pensado, aparentemente inevitável.

O fim da falsa vida que o Demiurgo e o ego implantaram, fim que sempre suscita terror, é um fruto amargo e doloroso que só o corpo denso experimenta no espaço e no tempo, a nossa prisão.
Sem nada impor, sugira-se que outros corpos menos ou mais densos aparecem, sim, que outros espaços e tempos também passam a prevalecer, em consonância com outros modos de pensar e agir.

Mas fora isso, convém salientar que Aqui e Agora já somos. Todavia descentralizando-nos do Eclodir Vital que também somos Agora, mal pensando e delirando, desviamos de algum modo reflexos de nossa própria Luz Vital e a entregamos aos “molochs” temporais e objetivados (ego o demônio interior, e Demiurgo, o aparente demônio externo) , os quais, depois (tempo) acabam nos devorando impiedosamente. E como se esse desvario já não bastasse, sempre raciocinando, ainda rebatizamos esses monstros avassaladores com palavras capciosas, tipo “progresso”, “civilização”, “evolução”, “aprimoramento científico, filosófico e religioso”.

Quantos terminam morrendo de fome, de exaustão, de doenças insidiosas, de desespero, num hoje aparente e falsamente contínuo para que os “egos-molochs” do Estado, da tecnocracia, do mercantilismo, da guerra, da automatização, da falsa religiosidade, da ganância inescrupulosa e indecente, e da destruição – tudo isso dirigido por essa pequena minoria da anti-humana raça, os quais não param de progredir em direção a um glorioso nada!
E já que a lógica-razão, tacanhamente positiva, com seu “habitual maquinar mental” (raciocínios) nos obriga a que atuemos de modo mesquinho e egoísta, para precavermo-nos de uma hipotética morte ou extinção iminente, vejamos o que o grande sábio budista Nagarjuna (II d.C.) e uma Lógica Extremada e Autofágica (criação nossa) , a vassoura do lixo mental, nos oferecem a título de alerta.

“Quando é que algo [“Isto-Sentir”] poderia se extinguir? Quando existe eficazmente? Não, evidentemente! Quando não existe? Tampouco, é claro! E quando algo então se aniquilará, se não se extingue nem quando existe eficazmente nem quando não existe?”

Amigo, o fim ou a pretensa extinção definitiva, absoluta das coisas e seres não poderia ser apenas outra extraordinária mentira epístemo-psicológica?
Sim, pois, é a memória-raciocínio-imaginação que – ou pensamentos estruturantes, pensamentos discursivos – superpõe tal fim, tal extinção ao Autenticamente REAL, já que o que é sempre novo, sem começo nem fim, só fulgura, mas não perdura nem se aniquila.

E como já alertei, meu caro amigo, a origem, a duração e a morte das coisas e dos seres, e que o conhecimento superficial, mágico ou até mesmo lógico-racional tornou insuperáveis, revelam-se totalmente ilusórios a uma compreensão e vivência mais profunda. Tudo isso possui a realidade do espelhismo, ou senão equivaleria aos “cornos” de uma lebre.
Muito a propósito, Nagarjuna volta a alertar:

Aqueles que [pensando] acreditam assistir ao nascimento das coisas e seres, em verdade contemplam o começo da vida do filho da mulher estéril.
Aqueles que [envolvidos por um sentimentalismo piegas e arrastados por conclusões fúteis] choram a morte definitiva das coisas e seres, em realidade são como os que choram a morte do filho da mulher estéril. Os que realmente Compreendem a Verdade não se espantam quando surpreendem a falaciosidade do nascimento, da velhice e da morte…

A trindade do nascimento, velhice e morte só prevalece de modo insuperável ou fatal nas trevas exteriores ou no domínio da memória-raciocínio-imaginação, no domínio do espaço-tempo. Isso não passa de discursos e a imagens caducas muito bem sustentadas. É a partir da memória-raciocínio-imaginação que o pensamento consegue superpor e objetivar suas mentiras estáticas e persistentes, as quais ofuscam a Verdade dinâmica e sempre renovada do “Isto-Sentir”.
E Nagarjuna diz mais:

O nascimento [pensado e reconhecível] não pode ocorrer sem a velhice e a morte [pensadas e reconhecíveis]. Sim, pois, [quando o pensamento interfere],tudo o que nasce tem de morrer. Se nascimento, velhice e morte ocorressem verdadeiramente, de modo persistente e separado, [como qualquer um, raciocinando jura concluir], eles equivaleriam então a um nascimento permanente, a uma velhice permanente, a uma morte insuplantável e permanente. E aí teríamos um nascimento sem velhice, e sem morte, ou teríamos uma velhice sem nascimento nem morte, ou ainda uma morte sem nascimento nem velhice…”[Amigo, cuidado com teu ego, pois isso não é sofisma, amigos!].

Essas alternativas plausíveis, o pensamento em todos nós esconde ou não as revela, como estou fazendo, porque não lhe convém. E Nagarjuna acrescenta.

“Todavia, uma lógica-razão [capenga] não concebe um nascimento sem velhice nem morte, porque o nascimento [a respeito do qual se pensa] de modo fatal e aparente só pode vir acompanhado pela velhice e pela morte. [Tese ‘A’]”.

Mas já que se cogita ou se raciocina à toa, o argumento contrário também deveria ter a mesma e pretensa validade do primeiro, e nesse caso, então, o nascimento ou simplesmente a Vida tampouco se concebe com velhice e morte. [Tese ‘B’].

E pensar por pensar, quem é que mente mais, o raciocínio ‘A’ ou o raciocínio ‘B’? Provavelmente ambos mentem… Mas por que o juízo ‘A’ (raciocínio) deveria ter tanta força em nossa mente, a ponto de nos condicionar de modo quase irreversível, levando-nos a reconhecer pretensas ocorrências objetivadas (o desenlace de alguém) sempre como insuplantáveis, irreversíveis, enquanto que encaramos o julgamento ‘B’ como infundado, como algo não digno de confiança?

Que ego é esse em nós que acredita, e que ego é esse em nós que duvida, desconfia? E de onde tal ego retirou critérios de autenticidade, de verdade insofismável, para acreditar, desconfiar, duvidar? Sendo o ego o pai da mentira, que honestidade pode ter em seu crer e descrer?

E visto que o raciocínio ‘A’ é todo poderoso, só porque alega que está descrevendo fatos reais e objetivados, mesmo que bem ou mal se pense, deveríamos nos habituar a Entender algo mais. Deveríamos Saber que para uma Vida livre de reconstruções não há nascimento, nem velhice nem morte, mas apenas, quem sabe, um Surgir Vital, que se renova a todo momento, e que no viver cotidiano parece não prevalecer...

E se o pensamento ‘A’ reconhece e descreve fatos pretensamente reais e objetivados, com tanta facilidade, por que não desconfiarmos também que é ele mesmo quem forja esses pretensos fatos superpostos e depois os reconhece tão bem e com tanta loquacidade fingida!

Para que tanta hipocrisia, se a única realidade que finalmente vinga para a tese ‘A’ é a dor que sentimos, é o angustiante vazio ou ausência do ser querido, e é o medo de nós morrermos também. No entanto, se a tese ‘B’ se tornasse um fato cotidiano, um fato plausível seria mais do que uma alegria; equivaleria à imortalidade e à plenitude total. Mas a lógica-razão não quer; ao contrário, diz que a morte é inexorável e que tal outra possibilidade de viver é coisa de seres delirantes!
E Nagarjuna volta a alertar:

O nascimento [pensado] implica a morte e a morte [a respeito da qual se raciocina] implica nascimento ou renascimento… Todavia, o nascimento [dito corporal, dito físico, se fosse algo verdadeiro, eficaz, se equivalesse ao eclodir de Algo Real ou a um Fato em Si que o pensamento não macula] não poderia resultar em morte, [porquanto se fosse algo eficaz, algo absolutamente verdadeiro, não poderia ser contraditório, ou não poderia corresponder a uma dupla situação ‘A’{nascimento} e ‘B’ {morte}, ao mesmo tempo; em suma, não poderia ser nascimento-e-morte]. Se o nascimento implica morte, não é nascimento, e essa morte acaba resultando em (re)nascimento, não é morte.
De outro lado,
[sempre dentro das brincadeiras do todo poderoso raciocínio humano], o nascimento [pensado] dificilmente deixaria de implicar morte, porque se deixasse de implicar morte, seria nascimento eterno, e se é algo eterno, como alguém (ego) poderia afirmar que ele é nascimento ou o começo de uma vida?
[Malgrado as mentiras habituais] tenham ou não tenham nascimento as coisas e seres, [diante de uma Verdade Absoluta, impensável e incomunicável, sugira-se que] não há vida nem morte das coisas e seres. [Os Aqui e Agora da Vida, os Momentos Reais e descontínuos da Manifestação, o Fulgurar de Tudo, não são nem vida condicionada nem morte pensada].
Daquilo que Existe ou que É, não se pode dizer que nasce, que envelhece e que morre.
[E se pensando considerarmos as coisas e seres de modo estático, persistente, contínuo, imutável, então] não poderá haver movimento, deslocamento [ou cinemática e inclusive]; não haveria mudança nas coisas e seres.
[O discurso interior, porque diz constatar, quando em verdade só reconhece], afirma o nascimento, a velhice e a morte; todavia, [diante da Verdade silenciosa e impensável], impossível é nascer e impossível é morrer.
[E quando se pensa], impossível será então viver sem nascer e morrer. [Em todo caso, o raciocínio só não nos sugere que sob o seu predomínio], também é impossível viver se se nasce e se morre.
[E Nagarjuna conclui]: diante da Verdade indescritível e impensável, o ciclo das existências condicionadas [‘samsara’], as enfermidades, a velhice e a morte são ilusórias como as flores do céu. Em realidade, as cidades do mundo estão totalmente desertas [de egos] como as necrópoles ou cemitérios…”


Se o nascimento dito corporal, dito físico do nenê fosse algo absolutamente verdadeiro em si, se fosse eficaz, se equivalesse ao eclodir de Algo Absolutamente Real, ao eclodir de a um Fato em Si. E se o pensamento não conseguisse macular tal nascimento para que se nos apresente apenas como um começo e como uma presença objetivada para os pais, um nascimento assim para o nenê seria igual a uma Vivência, e ele-(EU) não ficaria inconsciente como costuma acontecer. O EU-nenê seria Plenitude em Renovação.

O Surgir da Vida ou o nosso Verdadeiro Nascimento não poderia ser contraditório, encerrando uma dupla situação pensada que é exatamente o nascimento e a morte. Se tal nascimento implica morte, não é nascimento, e essa morte acaba resultando em (re)nascimento, não é morte é renascimento.

Portanto, o homem não nasce necessariamente quando sai do útero da mãe. O que nasce aí é o ele-nenê, é o objeto querido dos país. Este objeto querido depois se permuta no EU-nenê-SER, lamentavelmente acompanhado por um ego que logo se introduz em tal corpo. Esse ego reintrante não morre com o desencarne, sobrevive num mais além pensante-pensado e fica aguardando a possibilidade de se reintroduzir em um Corpo Novo Manifesto pela Vida.
O Ser Eterno com um Corpo Novo ou Eu-nenê não começa nem termina. Aqui e Agora é um SER em Renovação.

O que nasce ou começa é o ele-nenê ou é o ele-corpo que os pais tocam e abraçam. O EU Verdadeiro sim está Manifesto no nenê, mas ainda não está presente como sensciência. A seguir nesse ele-corpo, o EU-SER também fica mais evidente. Mas um feixe-ego de pensamentos pretensamente reencarnante também se introduz feito uma sombra d’Aquele, e por isso se diz que o ego ressurge ou reencarna.
Há situações em que tal feixe-ego-pensamentos se introduz antes, e pode inclusive provocar deformações no corpo que não lhe pertence, e isso por causa de justas respostas cármicas. E aí o nenê pode nascer aleijado. Em suma, o Homem não nasce a partir do útero da mãe, o que nasce aí é o ele-nenê ou o objeto querido dos pais.
o.

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