quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

ORIENTALISMO – 4) A TRÍPLICE CRENÇA

Em meu livro inédito, há mais de vinte anos, PRISÃO DO TEMPO, o falso ente em cada um de “nos” ou ego parece subsistir e engrandecer-se porque, em termos discursivos e para seu próprio proveito, inventou a tríplice crença que o mantém seguro, “confortavelmente preso” ao seu próprio cárcere: que é a Ronda Existencial (ou Samsara), ou as Trevas Exteriores ou então a Prisão do Tempo.
A tríplice crença que o ego sempre alimenta assim se sintetiza:

a) Crer na suposta virtude libertadora das práticas ascéticas ou místicas; crer no cultivo da fé cega, que nos leva à falsa humildade, ao medo e à submissão; e aceitar fanaticamente um “Ele”, deus-persona”, objetivado, separado da Vida fluindo, e escondido nos confins do Universo.
b) Crer num “eu” verdadeiro, de preferência cerebral ou até mesmo anímico; a tal ego identificar-se e a ele apegar-se de modo quase insuperável, esteja tal ego restrito a um corpo pretensamente material, com cérebro e tudo o mais, ou pretenda tal ego corresponder a uma alma pensante-pensada, que influenciaria e dirigiria um nome-forma (ou um corpo qualquer). Com a aceitação definitiva do ego, depois teremos a concepção de vida corporal única e contínua, com aniquilamento final (materialismo) ou teremos supostas sobrevivências no “mais-além”. Aqui teremos a concepção da alma única com vida única e sobrevivência no além em paraísos ou inferno. E teremos também uma alma única pretensamente persistente e reencarnante, e que retorna para supostos corpos materiais diferentes. Essa alma de vida única ou de vidas sucessivas é tida como eterna.
c) Crer que a Libertação Existencial ou a Iluminação, a Realização (Ressurreição) pode ser alcançada por uma ascese espiritual, ou senão por meio do cultivo do conhecimento vulgar e da especulação filosófico-racional, quando o extravio aparente se dá exatamente por causa desse fútil “querer (mal) conhecer”, que é um péssimo pensar.

Essa Tríplice Crença transforma-se em alimento e em sustento para o ego e para todos aqueles que, acreditando durar, buscam se tornar cada vez mais egos, tentando se engrandecer ou materialmente, ou animicamente, ou até mesmo culturalmente.
Dando-se conta desse doloroso engano, o Sidharta Gautama histórico, o grande Buda, Mestre incomparável, quando se Iluminou teria exclamado o que vem a seguir.

Repetimos então o que tal Mestre, no Instante de sua Iluminação teria dito:

“…[Visto nunca ter parado de mal pensar], errava eu no caminho sem fim dos múltiplos renascimentos (‘Samsara’), procurando inutilmente [a partir de meu próprio nível pensante, ou segundo momento em diante], o arquiteto do edifício [ou melhor, o aparente engendrador de meu corpo reconhecível e de minha alma-pessoa, pensante-pensada]. Ai que terrível tormento ter que renascer sempre, [em pensamento], desta ou daquela maneira! Ó arquiteto do edifício, descobri-te! [… Ó ego, ó sombra da Vida consegui surpreender-te em teu próprio tempo, elaborando a farsa que superpões à Verdade!]. Aqui e Agora, ó arquiteto [do corpo] não mais reconstruirás o edifício [corpo]. As traves estão todas quebradas! [ou seja as intenções e decisões]. A cumeeira do edifício esta destruída [ou a ignorância-desejo]! E este pensamento perdeu as suas possibilidades estruturantes e discursivas. Extinguiu-se, e com ele todas as sedes que o alimentavam!…, [ó bandido, já nada mais conseguirás superpor!…]”

E sempre a propósito, em meu livro inédito JESUS, MESSIAS OU FILHO DO HOMEM, o grande Jesus Cristo disse algo parecido ao que Buda, acima, exclamou um dia, (ver o que em tal livro transcrevi: "Se o Pai de Família soubesse a que hora..."). Ademais, em pleno Deserto da Vida e um pouco antes de alcançar a Iluminação máxima ou a Plenitude Religiosa (Religar-se ao Pai), Jesus também disse palavras que se aproximam das de Buda, a Luz da Ásia.
O Mestre da Galiléia, figuradamente falando, confrontou-se com o príncipe deste Mundo (ou com o Demiurgo-Adversário, ou também o ego grupal, o ego coletivo) e aí Jesus foi tentado para que permanecesse preso à impressão e convicção de mundo. Tal "tentação" visava manter o Mestre da Galiléia submisso ao ego-adversário e ao mundo. Mas graças à Lucidez, à Espiritualidade e à Inteligência de Jesus, travou-se uma batalha, um notável diálogo entre a Sabedoria e a ignorância adversa e personificada, diálogo que poucos entenderam e que consta nos Evangelhos atribuídos a Mateus e a Lucas.
De minha parte, compilei e refiz tais passagens, visando aclarar o seu significado ambíguo e as transcrevi em meu livro Cristo, Esse Desconhecido (Edit. Record S/A) e também em mais dois outros livros inéditos Jesus sem Cruz e Jesus, Messias ou Filho do Homem, trechos esses que agora reproduzo abaixo e que se encaixam perfeitamente bem em tudo aquilo que estou tratando. Tais passagens de meus livros assim rezam:

E chegou-se a Jesus, o ‘Adversário’ [o Demiurgo, objetivamente personificado como o Príncipe deste Mundo e ignorantemente transformado num fantoche que o judaísmo-cristianismo chamou Satanás], que lhe disse: Se tu és verdadeiramente Filho de Deus, [UNO com Ele e com todo o Resto], diz e então a esta pedra que se transforme em pão! Jesus, porém, respondendo, disse:
Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus,
[ou vivera de toda a Verdade que de Deus promana!’ – Ademais, farsante, se tudo é Deus e se EU e o PAI somos UM, por que haveria de dizer a Mim mesmo {ou “Isto” pedra} que se transforme em Mim mesmo {ou “Isto” pão}? Só para dar-te uma prova do meu poder? E se Eu e o Pai somos Verdade, por que a Verdade deveria dar satisfações à mentira e a usurpação que tu és? Sim o Poder estraçalhador e corruptor das criaturas é teu, mas a Liberdade é minha!
Ouve, ó mentiroso! Se por meio do Poder te provo alguma coisa, torno-me mentira como tu! A Verdade não pode fazer o jogo da ilusão sob pena de tornar-se ilusão também. Sabes muito bem que o Pai abomina o Poder que tu exerces tão malignamente. Não queiras me enganar, ó ego-adversário!]
Então o ‘Adversário’ transportou Jesus a Jerusalém e o colocou sobre o pináculo do Templo.
E disse-lhe
(o bandido): Se tu és Filho de Deus [Uno com o Pai e UNO com o resto], lança-te daqui abaixo; [pois não são os Profetas que dizem]: ‘Porque aos seus intermediários [anjos] dará ordens a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. E tomar-te-ão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra!…’
Retrucou-lhe Jesus: [
já que és a própria memória feita pessoa, já que és o próprio tempo, sabe] que também está escrito, [ó astuto]:
‘Não tentarás [desvirtuar a Criação ou enganar] o Senhor, teu Deus!’
…(E o Adversário, personificando o Príncipe deste mundo, ainda disse a Jesus): Sai daqui e vai então para [o mundo] para que [todos] vejam as obras que fazes. Porque ninguém há que procure ser conhecido em público e, contudo, realize suas obras em oculto. Se fazes estas coisas (ou maravilhas), manifesta-te ao mundo!… Respondeu-lhe então Jesus: Meu tempo [ou o meu Agora vivificador] ainda não chegou [ou não se Manifestou], mas o teu tempo [aparentemente continuo, tempo de mentiras e trapaças] sempre está pronto ou presente. [É graças a esse tempo, ó Demiurgo homicida, ladrão e salteador, que tu te reforças e te perpetuas]. O mundo não pode odiar-te [porque tu o manipulas)] mas a mim o mundo me odeia, porque eu dou testemunho de que as suas obras são más, [por causa da tua interferência]!…
E novamente o 'Adversário' transportou Jesus [de volta] ao deserto; e mostrou-lhe num momento de tempo [ou de modo instantâneo] todos os reinos do mundo. – [Como sucede na morte ou no desencarne e como convém ao ego. Aqui o Demiurgo recorre a um tempo quase instantâneo, e não a um tempo pretensamente contínuo, como de hábito]. – E disse-lhe: Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória porque a mim, príncipe deste mundo, me foi entregue, e dou-o a quem quero; Por conseguinte, se prostrado tu me adorares, tudo será teu! E Jesus respondendo, disse-lhe: [Farsante e mentiroso! Nada na Vida te foi dado. Tudo o que dizes ser teu foi roubado, foi deturpado e refeito por ti! De mais a mais, a que me servem os teus reinos de trevas {memória-raciocínio imaginação} e os teus mundos reconstruídos, saturados de mentira e dor’.? Que poder e glória poderias me dar senão o que furtas de Deus- Pai, para teu próprio proveito? Ó ajuntador de ‘resíduos ineficazes’, que poder podes ter, sem a Luz do Pai, sendo tu mera sombra!?] Portanto, ‘vade retrum Satanás’ [ou vem após Mim, ou ainda, vem atrás de ‘EU SOU’, ego-adversário, e não te coloques mais na frente, como costumas fazer na condição de pensamento-razão!]. Ademais, amarás também o Senhor teu Deus, e só a Ele serviras! Silencia-te, pois, [ego-pensamento adverso e] farsante e sabe que ‘EU SOU DEUS!…”

Pois é, amigo, quem diria que esses dois grandes Mestres e Santos (Buda e Jesus) possam nos ter deixado ensinos tão importantes, e que lamentavelmente quase nunca foram compreendidos!

Mas voltando ao tema central, a duração temporal, como já disse depende das reconstruções da mente condicionada. Quando o homem inteligente deixa de alimentar o encadeamento mental (Pratytiasamutpada ou Geração Condicionada), começa a Perceber ou a Dar-se Conta de que as experiências que nele mesmo e diante de si (mundo aparente) se sucedem são puramente contíguas e não contínua. Percebe que os engates das experiências mundanas não estão totalmente soldados entre si e podem ser rompidos. E graças a um Dar-se Canta e a um Sábio Perceber, as causas e efeitos de tudo isso deixam então de se concatenar. O buscador fica, portanto, livre de toda e qualquer reconstrução temporal. Transcende por assim dizer a falsa temporalidade e o Homem (Divya, Deus Vivo) volta à condição de Existência Primeva, Intemporal.
Bastaria, pois, parar com o fluxo dos desejos para que as reconstruções que condicionam a mente e que redundam em falsa percepção e reconhecimentos se reduzissem a nada; e com elas o tempo e sua pretensa duração linearmente infinita, tempo que é apenas um aspecto desse fluxo. E a propósito ainda, disse um dia Sidharta Gautama (Buda) a seu filho Rahula, depois de longos anos de separação.

“(Filho), perceberás de modo vivenciado a Salvação. Verás a Liberdade e, graças a essa Visão Pura, o desejo e o apego que tinhas pelos cinco tipos de apropriação te deixarão. Depois para ti mesmo te dirás: ‘Que loucura, que pesadelo! Longo tempo fui aviltado, enganado, envenenado e posto a perder pelo pensamento em mim! Alimentava-me absorvendo a forma, absorvendo as sensações contaminadas, deixando-me envolver pelas concepções dos pensamentos vulgares e pelas percepções da falsa consciência!’ Assim, (ó filho), pode-se dizer que por causa de todo esse alimento, o vir-a-ser parece existir, e por causa do vir-a-ser, o nascimento pensado e inferido existe, por causa do nascimento inferido passam a prevalecer a doença pensada, a decadência, a velhice e a morte. Esta última ou a morte só e sempre se infere nos demais, sem esquecer o desespero aqui e no além e os absurdos renascimentos… E assim nasce, ó irmãos meus, toda essa massa de dor inútil!… (e que o homem não precisaria experimentar com tanta agonia)”



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