terça-feira, 16 de dezembro de 2008

SAÚDE E MEDICINA – 3) FALSOS CONSCIENTE E INCONSCIENTE

Vejamos agora um tópico retirado do meu livro inédito “Prisão do Tempo”: Voltando a desfazer as tramas psicológicas, amiúde o homem confunde as intromissões da ignorância-ego-desejo e dos pensamentos estruturantes com a suposta presença e interferência de um inconsciente cerebral.
De modo bastante leviano, também confunde discursos mentais ininterruptos com um “ficar-cônscio disto ou ficar cônscio daquilo”, e acha que seu ou tal “ficar cônscio de” é Reto Perceber.
Entrementes, condicionada pelos pensamentos estruturantes, sutis, interesseiros e perpetuadores do erro, a consciência-ego ou “persona” (3° elo da dodécupla cadeia), já se levanta enfraquecida e mesmo assim se intromete na Mente Primeva como uma “sombra ou mancha mentirosa” .
O que poderia ser Puro, Verdadeiro (Mente Pura) é aparentemente suplantado por algo embotado, perplexo, distraído e excitado, e que é exatamente essa falsa consciência-urgo-ego, forjada e personificada. O ego, que por meio desse torpe “ficar cônscio de” se levanta, como condição vital ele já não tem mais o Ato Puro e Concentrado, o Autêntico Sentir Primevo, associados a uma Compreensão Perfeita (Saber-Sentir-Intuir). Nem com nada disso pode contar.
O Isto-Sentir momentâneo fica então aparentemente suplantado pelo sentir fisiológico condicionado da falsa consciência, fica ofuscado por imagens caducas e pelo discurso mental (tempo). E este discurso parece depender da prolixidade de um ser verdadeiro (ego), verborragia que, em realidade é apenas uma defesa da memória-raciocínio-imaginação, que se perpetua feita prisão do tempo.
Desse modo, a falsa ego-consciência se atribui validez e passa a avaliar-se como um “eu” contínuo, permanente, como um ser anímico que foi inserido num corpo material (em verdade só corpo denso e externo) por algo (acaso) ou por alguém (Ele, Deus-Pessoa).
Tal suposto ente (ego) depois se confrontaria com um “não-eu” ou com um objeto, também permanente e material. Todavia, meu caro amigo, esse teatrinho ou tudo isso junto é somente mal pensar, ou são só pensamentos caducos a nos atormentar.
A consciência dita comum e só um conhecimento interesseiro, sempre orientado para determinado fim. São intenções e decisões sutis que aparentemente redundam num “eu”, o qual se discrimina de um “não-eu” (coisa), em vista de uma apropriação ulterior, a saber, o objeto desejado e reconstruído. Nisso tudo também esta implícito o possível rechaço do objeto, com seus pretensos malefícios atribuídos.
Se a Existência Primordial não ficasse aparentemente ofuscada pelas estruturações do pensamento, pela falsa consciência e pelo discurso interior, a Mente Pura (EU SOU) poderia muito bem prevalecer para um sujeito honesto, e com Ela sua Manifestação (O QUE SOU).
Sim, pois é a Reta Compreensão a que ilumina as coisas (ISTO), sem apossar-se delas, sem reconstruí-las, adaptá-las e, inclusive sem que o sujeito verdadeiro (SENTIR) se torne dependente do objeto real (ISTO”).
Se a Reta Compreensão prevalecesse sempre, numa assim dita renovação momentânea, aparentemente nada Verdadeiro se transformaria em consciência permanentemente discursiva, com suas manias de conhecer ou discriminar, com sua tendência de engendrar e reconhecer.
E não esqueçamos que só nas aparências, é claro, a mentira se levanta nos intervalos ou nos “nada” que “prevalecem” entre dois Pontos Instante ou um Fulgurar e Outro.
E a propósito do capítulo que acabamos de escrever, alerta-nos Buda, o grande Sábio de Verdade e da Verdade, dizendo:

“O homem comum e escravizado pode desprender-se de seu corpo (pensado), de suas posses, mas enquanto desejar e pensar, impossível será para ele desprender-se da convicção de que possui uma alma-[pensada], ou possui uma [pressuposta] consciência.
Tal homem não avisado assim costuma lucubrar: ‘Essa consciência sou eu mesmo, ela e o meu espírito!…’ Mas por assim pensar e concluir, ele se escraviza à Ronda Existencial [‘Samsara’], que é o girar ininterrupto da angústia, do medo e da dor… Muito melhor seria que esse homem, que jamais buscou ilustrar-se a respeito da Verdade, tomasse como ‘eu’ verdadeiro seu próprio corpo aparente, ao invés da alma-pensada [ou falsa consciência], porque o corpo – [e esse mesmo homem acredita conhecê-lo bem] – subsiste falaciosamente um ou dois anos, dez, cinqüenta, cem anos ou mais, enquanto que isto, o irmãos, que é chamado pensamento, consciência personificada, alma [pressuposta e sempre pensada], dia e noite surge outro, dia e noite desaparece outro e, [por isso mesmo, parece durar infinitamente, perpetuando o engano e o logro. E assim se escondendo, engendra corpos e mais corpos aparentes]” …

Com relação à mesma denúncia, Buda, a grande Luz da Ásia ainda teria dito:

“Eu [ego] sou o resultado de meus próprios atos,
sou o herdeiro dos atos.
Os atos são a matriz que me trouxe,
os atos são meu parentesco;
os frutos dos atos recaem sobre mim.
Qualquer ato que eu realizo, bom ou mau, eu dele herdarei.
Minhas obras são meu bem!
Minhas obras são minha herança;
minhas obras são o seio que me leva;
minhas obras são a raça a qual pertenço;
minhas obras são meu refúgio.

Os seres têm como patrimônio o seu carma;
são os herdeiros, são os descendentes,
os pais, os vassalos do seu carma.
É o carma que divide os homens em superiores e inferiores.”

Sermos herdeiros do carma é uma verdade profunda, inegável, justíssima e simplesmente fantástica. Aliás, nem somos herdeiros, na condição de urgos-egos somos o próprio carma. De qualquer modo esse enunciado ou possibilidade tem mais de dez mil anos. E no entanto o materialismo científico aplicado à medicina e biologia teve que inventar os genes, o código genético, o DNA, RNA que são invencionices da cabeça humana e estão na total dependência do seu criador, o homem pensante. Os dois, ou o homem e o seu invento não são absolutamente nada porque um depende do outro e vice-versa. E quando algo depende de algo mais, isso simplesmente não existe, como o código genético não existe, malgrado toda a grandiloqüência e falsas provas a ele ligadas.

Mas dando um retoque ao trecho supra que acabei de transcrever “ipsi litteris”, e que Buda provavelmente não o teria proferido assim; e mais, atualizando agora esse mesmo alerta com argumentos um pouco mais condizentes com a Verdadeira Mensagem da Sabedoria Perfeita, quero crer que o Mestre assim teria gostado de ver seus ensinos registrados:

"Sou o resultado dos atos aos quais 'eu' me identifiquei, e por isso 'eu' (ego) me tornei herdeiros dos atos".
Os atos por mim (ego) assumidos são a matriz (ou são o próprio ‘pratityasamutpada’) que me trouxe, (ou que me – ego – fez aparecer de modo superposto)
Os atos por mim assumidos são meu parentesco (verdadeiro, pois contribuem para a forjação do concatenamento que me caracteriza e que é sempre outro – ‘Pratityasamutpada’. Esta matriz ou cadeia, convergindo com outra similar e afim, resultará naquele tempo e naquele meio reconhecível que ego sou).
Os frutos dos atos sempre recaem sobre mim (ego).
Qualquer ato que ‘eu’ desvirtuei e à sua execução me (ego) identifiquei, execução boa ou ma, tanto fez, de seus próprios frutos, bons ou maus, ‘eu’ herdarei.
O que faço intencionalmente é meu próprio bem ou mal.
O que faço propositadamente, isso constitui minha herança.
O que faço cheio de desejos, isso é exatamente o seio (‘pratityasamutpada’) que me arrastará (de vida em vida).
Os frutos dos atos por mim cumpridos (ego), são a raça a qual digo pertencer.
Minha maneira de agir é meu próprio refúgio, minha maneira de agir é meu próprio inferno. (Ou senão, o refúgio aí será o Reino de Deus, Nirvana, TAO, Satori, etc. se o AGIR em mim estiver livre de agente, livre de propósitos, de mesquinhez e de identificações indevidas. E o refúgio será um inferno, ‘samsara’, ‘trevas exteriores’, carências mundanas, doenças, decadência, velhice etc. se o ego em mim se apropriar do Sentir-Atuar-Intuir e o desvirtuar em busca de metas e resultados, e inferno também será se à execução do ato eu ( ego) me identificar.
O Carma é a ‘semeadura e a colheita obrigatória’, ou é ‘ação e reação’ que indevidamente surgem quando o homem, pensando, se transforma em agente cheio de intenções e metas.
Se algum ‘eu’ à eclosão do ATO PURO se identificar, em busca de fins e frutos, tal fantasma-ego corromperá o Ato e este em CARMA VIVO se transmutará. Ou seja, se transformará em ego-carma ou também em ego-ação e ego-reação, que continuarão interdependentes entre si.
Os seres humanos sofredores tem como razão de ser um carma próprio.
O carma são eles e eles são o carma.
Todo homem condicionado e limitado é carma, é herdeiro do carma, é descendente do carma, é pai do carma, é vassalo ou escravo do carma.
(E, enquanto o homem pensante carma for, o ‘Samsara’ ou a Ronda Existencial das dores e dos tormentos continuará a girar).
(Pare que, pois, tanta prepotência e tanta vaidade se) é só o montante cármico, bom ou mau, o que divide os homens em seres superiores e inferiores – e nunca hipotéticas castas, falsas virtudes e pretensas nobrezas. (E se o carma favorável está te devolvendo os bons frutos, não te metas depois a julgar e a condenar o pagador sofrido, pois ‘quem és tu que enxergas a fagulha no olho do teu vizinho e não VÊS a trave atravessada em tua própria mente!’ Carma bom, amigo meu, ainda é ‘Samsara’,ainda é trevas exteriores. Liberta-te dele e serás um Justo, porém ainda igual ao teu irmão que sofre!)” …

O HOMEM verdadeiro Sente, Sabe, Atua e Ama de Momento a Momento, sem coletar méritos. Ele é existência incomensurável e incognoscível; em suma, é apenas “EU SOU O QUE SOU”!
O homem-carma ou o homem (mal) pensante, de sua parte, é somente uma série-caduca, um nome-forma impermanente, que vai e vem outro, aparece e desaparece outro. E tudo isso se interliga numa dolorosa cadeia, sem começo nem fim (“Roda da Vida”), a modo de dizer, é claro.
O que nasce, o que morre, o que acha viver vida única e contínua, o que jura reencarnar, esse é apenas o homem-carma ou é o carma (ação contaminada) feita homem.
Se o montante cármico for bom, cheio de sementes positivas, a colheita será boa. Mas, geralmente, o que prevalece é exatamente o contrário. E nem a prática da religiosidade mais extremada nos salva do mau plantio. Só o Amor e a Compaixão (ou “Karuna”) mais pura e que podem diluir o mau carma.
A Sabedoria Perfeita, esta sim, (e que também é o Homem Divino [“Divya” ou “Siddha”] do Instante Primevo), anula o Carma e a Lei da Geração Condicionada (Pratityasamutpada).
Com esse outro enfoque, agora o homem já não está mais frente a um Carma, ou a uma pretensa lei moral e física, criada por um Deus à parte, e que afetaria as criaturas anímico-corpóreas, por tudo aquilo que elas fizeram e fazem, de bom ou mau, numa única ou em diversas vidas.
Carma agora é um freio moral que se levanta juntamente com o ego-pensamento intrometido e sua identificação ao Ato.
E toda vez que o Homem abandonar a sua condição de AMAR-SENTIR-INTUIR-FAZENDO-SE-SER, e passar para a condição de falso ego-agente pensante, saturado de intenções, o homem aí, decaído, forçosamente ficará sujeito à ação maculada e as suas reações (Carma). Ficará escravizado principalmente à convergência de causas e condições que, como vimos, é a Lei da Geração Condicionada. Esta entrelaça o homem e seu meio, e o liga inclusive ao carma, resultando em homem extraviado, plantando e colhendo bons ou maus frutos.
Por outro lado, só certos Heróis (“Viryas”) que lutam pela Justiça, lutam pelo próximo sofrido e subjugado, e pela sua própria Libertação, Auto-Realização – que é tornar-se “Vidya” ou Deus Vivo – estão livres das respostas cármicas. Tais Heróis geralmente enfrentam o Demiurgo, o grande manipulador do carma. Este, além de velhaco, usurpador e mentiroso faz-se passar por Deus. E é contra este que os verdadeiros Heróis lutam. Daí porque eles não são afetados pelas reações cármicas. Seu ato é impessoal. Ao combater o farsante e ao superá-lo, ao combar o bandido executivo e servo do Demiurgo, não se transformam num pólo contrário, o falso justo que combate o mau, tal como o próprio Deus Vivo não tem nenhum diabo opositor como adversário ou como um satanás..

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